No que vai deste ano, tenho assistido 9 recém-nascidos com lesões musculoesqueléticas adquiridas durante o parto. O mais significativo é que nenhum deles tinha qualquer diagnóstico previo. Na maioria a consulta foi agendada a partir da preocupação dos familiares. A tres bebes lhe tinha sido recomendado procurar um ortopedista.
Quais foram as sequelas destes recém-nascidos?
Foram 3, todas elas facilmente identificáveis, pelo que não se justifica o diagnóstico tardio. Mesmo na ausência de um ortopedista, estas lesões deveriam ter sido identificadas antes da mãe e a criança, terem tido alta da maternidade.
1- Fractura da clavícula
Sendo a clavícula o primeiro osso totalmente formado antes do nascimento, não é incomum que seja fracturado durante o parto. Em geral trata-se de uma fractura pouco deslocada visto que o periósteo e os ligamentos à volta estão intactos.
O bebé com fractura da clavícula frequentemente é incapaz de levantar o braço afectado (Teste de Moro assimétrico). A causa é a dor no foco da fractura e não propriamente uma incapacidade neurológica. Na fractura da clavícula a falta de movimento limita-se ao ombro, o resto do membro tem mobilidade normal.
Repare que no caso dos meus pacientes, alguns vieram à consulta porque seus familiares observaram um aumento de volume acima da parte média da clavícula. Outros porque a criança não mexia o braço e reclamava quando alguém tratava de o fazer.
O tratamento da fractura da clavícula no recém nascido visa principalmente dar conforto à criança. A consolidação da fractura acontece com ou sem tratamento. De facto, muitas vezes passa despercebida. É suficiente imobilizar o ombro com uma tipoia durante uma semana ou dez dias e fica resolvida.
Nos 4 bebês consultados não recomendei qualquer exame de imagem, o diagnóstico foi na base do exame físico. Solicitei uma radiografia após 4 semanas para certificar a consolidação. Não foi preciso qualquer tipo de fisioterapia. A “bolinha” no sítio das fractura desapareceu em poucas semanas.
2- Paralisia Braquial Obstétrica
Como o nome indica, na Paralisia Braquial Obstétrica (PBO) há uma lesão nos nervos do plexo braquial. A causa mais frequente é a distocia (conflicto de tamanho) dos ombros no canal de parto. Por causa deste conflicto com o diâmetro do canal de parto a criança fica presa entre o púbis e o promontório sacral da mãe.
Não poucas vezes, na tentativa de remover o bebé preso no canal de parto, o plexo braquial é tracionado. A macrossomia fetal (bebé muito grande) é um factor de risco de PBO, mas em 70-90% dos casos, não há um elemento de risco identificável.
A quem diga que a fractura da clavícula durante o parto evita a lesão do plexo braquial. Talvez porque o cavalgamento ou a flexão dos fragmentos ósseos no foco da fractura, diminui o diâmetro dos ombros e desbloqueia a passagem da criança pelo canal de parto.
O tratamento das crianças com PBO começa imediatamente após o diagnóstico. Inicialmente o mais importante é evitar a contractura das articulações afectadas. Eu recomendo às mães dos meus pacientes, que cada vez que mudam a fralda do bebé, devem movimentar gentil e passivamente essas articulações.
O tratamento e a recuperação dependem da gravidade e quantidade dos nervos lesados. Entre o 70-80% dos pacientes, que não requerem ser operados tem uma boa recuperação. A fisioterapia tem um papel importante na reabilitação destas crianças.
A cirurgia da PBO, além de complexa, tem resultados bastante aleatórios. Frequentemente são necessários vários procedimentos cirúrgicos para atingir uma função aceitável. As lesões nos nervos mais inferiores ou do plexo na sua totalidade quase sempre deixam alguma sequela.Crianças com arrancamento da raiz do nervo da medula, têm o pior prognóstico.
3- Fractura do úmero
Esta é uma lesão quase sempre iatrogénica, resultado da manipulação pouco cuidadosa do bebé. Geralmente ocorre no terço proximal ou médio do osso. Nas proximidades do ombro pode afectar a metáfise ou inclusive a cartilagem de crescimento. Neste último caso compromete-se o crescimento do membro.
Os sintomas são pouco específicos. Semelha à fractura da clavícula. Os sinais radiográficos são difíceis de identificar, principalmente se não se tem em conta essa hipótese diagnóstica. Frequentemente o diagnóstico passa despercebido.
O tratamento inicial é similar ao da fractura da clavícula. Se imobiliza o ombro para diminuir a dor. A cirurgia é pouco provável.Embora a grande amplitude do movimento do ombro seja capaz de compensar alguma deformidade residual, os familiares devem ser informados sobre as eventuais sequelas.
Resumindo
Desta trilogia a mais grave é sem dúvidas a Paralisia Braquial Obstétrica. Estima-se que 2 em cada 1000 nascidos vivos a sofrem, pelo que é relativamente frequente. Mesmo com o melhor treino das parteiras e com o aumento dos partos por cesariana, o índice de PBO não tem diminuído significativamente. De aí que se invoquem causas pré-natais também na sua origem. O prognóstico das crianças com PBO depende fundamentalmente da gravidade da lesão inicial e da abordagem terapêutica posterior. O diagnóstico e o tratamento precoce são fundamentais.
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