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Acerca da Piomiosite

A Piomiosite, Miosite Bacteriana ou Miosite Tropical é a infecção bacteriana do músculo, com formação directa de um abcesso único ou múltiplo. O diagnóstico de Piomiosite Primaria pressupõe que a infecção tem origem no próprio tecido muscular geralmente a partir duma bacteriemia. È um distúrbio frequente principalmente em crianças que vivem nos países tropicais.

Foi Scriba, em 1885 quem fez a primeira descrição do distúrbio, mas foi Levin MJ quem em 1971 apresentou o primeiro caso fora do ambiente tropical e curiosamente em França. A Piomiosite é uma dos principais motivos de internamento nos trópicos, só na Uganda, por exemplo, é o 4% dos internamentos e no Equador, pais latino-americano chega a ser o 2%.

Em 1968, Marcus RT notificou quatro mil casos de Piomiosite num período de dois anos em 27 hospitais do Quénia, Uganda e Tanzânia , não obstante, cada vez são mais frequentes os casos em países de clima frio, sobre tudo em pacientes imunodeprimidos por HIV, pela Diabetes, Colagenopatias Crónicas ou pela Insuficiência Renal.

O Stafilococus Aureus (SA) é o gérmen mais frequente na Piomiosite, responde pelo 90% dos casos em zonas tropicais e 70% em climas ligeiramente mais frios. A bactéria pode ser isolada no pus procedente do foco séptico, mais nem sempre isto é possível, mesmo em zonas tropicais a cultura só é positiva em 30% dos casos.

Fisiopatologia
Se desconhece ate hoje o mecanismo exacto pelo qual o músculo, naturalmente resistente a infecção, desenvolve um abcesso. A maioria dos autores acreditam que a Piomiosite só aparece se o músculo estiver previamente debilitado, a inoculação experimental directa de bactérias no músculo de cães e ratos não provocou a infecção sempre e quando estivesse integro o tecido. De facto, em 20-50% dos casos de Piomiosite existe uma história de traumatismo.

A medicina tradicional utiliza como parte dos seus tratamentos, a fricção e a massagem vigorosa da pele e do músculo com substâncias por vezes irritantes.

A remoção durante a massagem dos folículos pilosos num ambiente de higiene precária cria uma porta de entrada para as bactérias, isto aliado aos microtraumas provocados pela massagem no musculo pode esta na base de muitos dos casos de Piomiosite em crianças.

Infecções subclínicas por vírus ou parasitoses como a Malária provocam alterações microscópicas na estrutura do tecido muscular e consequentemente debilitam sua resistência perante a infecção. Outros factores importantíssimos relacionados com o processo séptico do músculo são as anomalias provocadas pelo HIV, tumores malignos, diabetes ou abuso de drogas. A desnutrição afecta severamente o sistema imunitário.

Clínica da Piomiosite
A Piomiosite tem um curso subagudo e a maioria dos pacientes procuram assistência entre a primeira e a segunda semana após o início dos sintomas de ai que o diagnóstico precoce seja pouco frequente. As crianças, têm uma evolução mais aguda que os adultos, o que facilitaria seu diagnóstico algo mais cedo, pacientes imunodeprimidos ou recém nascidos tem um quadro clinico menos florido e tardam muito mas em serem diagnosticados.

miosite
Perna depois do desbridamento duma piomiosite

Etapas na evolução da Piomiosite:
1- Fase inflamatória ou invasiva, onde o paciente tem poucos sintomas e sinais, a zona afectada pode mostrar certa dureza e estar ligeiramente dolorosa, tal e como se observa depois de uma contusão leve. A febre nem sempre aparece. O processo bem pode remeter e ficar como uma fibromialgia ou passar à fase seguinte com a formação de um abcesso. Alguns cirurgiões chamam esta fase de pré-supurativa e é nesta face que o tratamento com antibióticos pode resultar eficaz.

2- Fase supurativa ou do abcesso, se situa entre a segunda e a terceira semana do início do processo. Esta fase pode resultar duma Piomiosite que nunca foi tratada ou de um processo que embora tratado, não teve remissão. A maioria das Piomiosite é diagnosticada nesta fase. Os sintomas de infecção são mais evidentes, a dor na zona aumenta consideravelmente, o inchaço deixa de ter uma consistência firme para ter flutuação. O paciente tem febre e mau estado geral. A Piomiosite provocada pelo Estreptococus tem um curso muito mais agressivo, nela a necrose muscular supera a formação de pus.

3- Fase tardia, caso o abcesso não for tratado correctamente ocorre uma disseminação da infecção com bacteremia massiva seguida de septicemia.Outras zonas podem ser contaminadas com êmbolos sépticos e o paciente desenvolver shock séptico, insuficiência renal e falência multi-orgânica. Infelizmente ainda se assiste a este tipo de complicação com relativa frequência.

Diagnostico
O início insidioso da Piomiosite e seu quadro clínico capaz de simular outros distúrbios, exige do médico um alto grau de suspeita perante sintomas e sinais compatíveis com processo, quanto mais cedo for seu diagnóstico melhor prognóstico terá o paciente. O diagnóstico é especialmente difícil em recém-
nascido ou em indivíduos profundamente imunodeprimidos com sinais pouco evidentes e escassa capacidade de reagir.
A Piomiosite do Psoas é especialmente difícil de diagnosticar porque simula uma Artrite Séptica do quadril, a articulação se apresenta em flexão e os movimentos são dolorosos tal como acontece na Artrite Séptica, o quadro pode simular também um abdómen agudo. Antes da chegada da TAC muitas Piomiosite eram diagnosticadas durante a laparotomia exploradora.

Os exames de rotina são pouco específicos na Piomiosite. Numa revisão de 144 pacientes reportados por 8 estudos multicêntricos mostrarão que a hemocultura e cultura do pus dos pacientes só foi positiva em 16-38% e em 21-41% respectivamente, de ai que seja necessário um elevado índice de suspeita por parte do médico para indicar estudos complementares de imagem que ajudem a definir ao músculo ou músculos afectados caso o processo for multifocal.

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