A Artrite Séptica (AS) é a infecção duma articulação, geralmente por bactérias embora outros microorganismos a possam provocar também. Trata-se de um processo potencialmente devastador, uma verdadeira “tragédia articular” e os confesso que sempre fico muito apreensivo só de pensar de que a criança que estou a observar possa ter este diagnostico.
E sabem porque ?
… porque estou ciente que um error no diagostico ou a demora no tratamento pode ser fatal para a vida do puto ou para o futuro da sua articulação, e porque a prática me há demostrado que sua evolução pode ser imprevisível mesmo a fazer tudo certinho.
Esta claro que a AS actualmente não é tão letal como antes do descobrimento da Penicilina quando o 50% dos casos faleciam, mas ainda hoje há pacientes que morrem por AS. Repare que num estudo de 12 anos na Africa do Sul no Red Cross Children´s War Memorial Hospital de Cape Town, de 1156 pacientes com diagnostico de Artrite Séptica, 38 foram internados na UTI com falência multiorgânica, deles o 79% teve shock séptico. A mortalidade foi do 13%, pode parecer pouco mas esse 13% foi a desgracia de muita gente.
Em África, a diferencia do que acontece no ocidente industrializado, a incidência de AS é alta se temos em conta que no Malawi, por exemplo, é de 1:5000 habitantes e na Africa do Sul de 1:20000 aproximadamente, em Angola não sei mas acredito que os numeros não devem muito diferentes.
Em termos gerais, posso aventurar de que 1 em cada 5000 crianças africanas sofrerá a doença antes dos 5 anos de idade o que não é pouco. Crianças em idade pré escolar são um terço do total dos pacientes, isto é muito mau porque sendo o esqueleto da criança ainda imaturo, a destruição duma articulação compromete seriamente a capacidade funcional do seu aparelho locomotor .
Quais são as causas mais frequentes da AS?
Na maioria dos casos tudo começa com uma bacteriemia, a partir de algum foco séptico, que nem sempre pode ser identificado. Só para aclarar, a bacteriemia é a liberação de bacterias na circulação sanguinea, ok?. As bactérias então penetram e infectam a membrana sinovial da articulação alvo através dos capilares da mesma e posteriormente atinge todos os outros elementos, esta é a forma mais frequente de infecção sendo conhecida como “via a hematogénea de contaminação”. A articulação também poder ser infectada a partir de um foco séptico contiguo ou pela inoculação directa traumática ou secundariamente durante uma cirurgia.
As lesões na pele, tão frequentes no nosso meio, tais como pequenas feridas que se infectam, furúnculos ou picaduras de insectos são fonte de bacteriemia, de facto (e sem exagero ) 25% das vezes que escovamos os dentes temos bacteremia. As infecções respiratórias e as do tracto urinário ou intestinal, liberam grandes quantidades de bacteria na circulação, por exemplo nos lactantes a infecção do umbigo ou de uma veia canalizada durante muito tempo são uma das causas mais frequentes de bacteriemia.
Posteriormente e em resposta a infecção tem inicio um processo inflamatório agudo, ora bem, se o sistema imunológico for capaz de travar a progressão da infecção só haverá uma artrite reactiva transitória benigna , se o processo avançar temos uma AS. A infecção gera o aumento da pressão intra-articular e o vasos da membrana sinovial são colapsados o que reduz a entrega de O2 com a consequente isquemia que junto as enzimas proteolíticas das bactéria provoca a destruição da membrana sinovial, da cartilagem e inclusive dos elementos ósseos da articulação alem de comprometer a chegada dos antibióticos.
A maioria dos estudos apontam o dedo ao Stafilococus Aureos como o patógeno mais frequente em todas as idades e em algumas series foi isolado em 56% dos casos. Antes da vacinação contra ele, o Haemofilus era isolado com alguma frequência e curiosamente estudos feitos em países africanos, especificamente Malawi e a Zambia, dão a Salmonella como o bactéria mais frequente por cá, principalmente se o paciente for portador de Anemia Falciforme. Saber qual é a bactéria mais frequente no nosso meio é muitíssimo importante porque o inicio do tratamento antibiótico destas infecções é empírico, só posteriormente depois dos resultados de laboratório (se temos sorte) é que sabemos qual é a bactéria especifica presente. Se a priori sabemos qual e o gérmen que mais nos ataca temos mais chances de o combater com o antibiótico adequado.
Como se apresenta o paciente?
A dor é o sintoma preponderante na Artrite Séptica, pode registar-se uma historia de desconforto articular uma a duas semanas antes ,a febre alta aparece na fase aguda em 30-40% dos indivíduos.
A dor não cede com o repouso e se agrava com movimentos, mesmo com pequenos movimentos passivos. Se esta afectado o quadril ou o joelho a criança se recusa a andar e atenção… a dor da artrite do quadril pode ser referida na face interna da coxa!!!.
Na AS se afecta geralmente uma articulação mais em pacientes imunologicamente deprimidos e recém nascidos não é rara a artrite poliarticular. As articulações mais afectadas são as do quadril, o ombro e o joelho.
Em África curiosamente, o ombro é a articulação mais afectada, o doutor Lavi num hospital rural da Zâmbia durante 14 meses encontrou 19 ombros em 34 casos estudados para um 56% . Talvez isto se deve ao jeito como as mães acostumam levar seus filhos em África, repare que para os colocar nas costas precisam ser assegurados no braço e serem puxados ate as costas da mãe, isto eventualmente pode lesar a articulação, principalmente se for feito bruscamente. Outro elemento clínico particular em África é a pseudoparalisia do membro afectado, que se apresenta sem mobilidade activa e pouco doloroso tal e como se observa nas paralisias de origem neurológica, isto se vê mais em crianças desnutridas o gravemente doentes.
No recém nascido, a AS é de difícil diagnostico, os sinais de sépse ou a inflamação articular podem até ser mínimos ou estarem ausentes. Com frequência o único sinal encontrado é uma infecção de um cateter ou umbigo infectado, alem do aspecto séptico da criança. Em crianças maiores o diagnostico é um pouco mais fácil, por exemplo, na artrite do quadril se ela já deambula não é complicado identificar a articulação afectada devido a claudicação na marcha e porque os movimentos são extremamente dolorosos, mas aqui pessoal, o repto é definir se o processo em curso é uma AS ou uma artrite transitória reactiva, exercício que não é fácil mesmo para o ortopedista experiente.
E nem vale a pena errar!!, a artrite transitória é um processo auto limitado e benigno que praticamente não deixa marcas na articulação, já a nossa amiga (inimiga ?) AS , como agora sabemos é altamente destrutiva, deixa lesões irreversíveis na articulação, na epífise dos ossos, na sua cartilagem de crescimento e aonde mais lhe apetecer, e isto em muito pouco tempo porque a destruição da cartilagem articular já é detectável na ecografia no 6to dia da infecção e após 4 semanas de infecção não descontrolada a destruição pode ser completa
Agora nos resta saber como fazer o diagnostico precoce e a conduta a seguir, mas isso será tema de um outro post, até lá fica o alerta…
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