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Acerca da denuncia da AADIC sobre a venda do Diclofenac e o Ibuprofeno

brufenA AADIC (Associação Angolana dos Direitos do Consumidor) é a instituição que cuida dos interesses dos consumidores em Angola. Muito recentemente, este organismo, alertou ao Ministério da Saúde acerca de dois medicamentos amplamente utilizados nos pais, o Diclofenac e o Ibuprofeno.

Segundo o director adjunto do gabinete jurídico, mediação e resolução de conflitos da organização. Numa conferência fundamentou que os dois fármacos aumentam o risco de paragem cardíaca, em 31 porcento, isto segundo um estudo feito na Dinamarca em …2001-2002.

Esta comunicação da AADIC rapidamente propagou-se nas redes sociais, com muitas pessoas a pedir a retirada destes medicamentos das farmácias e que os médicos deviam ser proibidos de os receitar.

O Diclofenac e o Ibuprofeno fazem parte da família dos anti-inflamatórios não esteróides (AINEs), um grupo de medicamentos felizmente introduzidos na práctica médica em 1960. A sua principal característica é ter um efeito analgésico e anti-inflamatório através dum mecanismo diferente aos corticosteróides, os anti-inflamatórios por excelência que eram utilizados nessa época.

A entrada dos AINEs foi muito bem recebida, principalmente pelos pacientes com doenças do foro reumático, que lidam com a dor e a inflamação cronica das articulações por vezes desde criança. Os AINEs tinham quase a mesma eficácia que os corticosteróides, mas sem os efeitos colaterais desagradáveis dos últimos. Sem dúvida, os AINEs trouxeram uma melhoria evidente na qualidade de vida destes pacientes, pelo que passaram a ser os medicamentos de primeira linha no tratamento da inflamação e da dor, independentemente da origem.

Mas nem tudo foi bonança com este grupo de medicamentos, a maioria dos AINEs inibem a actividade da ciclooxigenase-1 (COX-1) e a ciclooxigenase-2 (COX-2), e consequentemente a síntese das prostaglandinas e tromboxanos. A inibição da COX-2 é responsável pelos efeitos anti-inflamatórios, analgésicos e antipiréticos destas drogas. Especificamente os que inibem a COX-1, como é o caso da Aspirina, o Diclofenac, o Ibuprofeno,etc, podem causar hemorragias e úlceras gastrointestinais.

Desde o século passado é conhecido os efeitos nocivos que este grupo de medicamentos tem sobre o sistema cardiovascular e não só, mas recentemente um estudo publicado na British Medical Journal, conclui que quem tomou AINEs há 14 dias têm um risco de hospitalização por insuficiência cardíaca 19% superior ao risco que teria se não os consumisse… há mais de 183 dias, só isto basta para demonstrar de que, embora existem riscos no consumo destes medicamentos, o risco na população geral é baixo.

Suspender a utilização do Ibuprofeno e o Diclofenac não é aconselhável, o impacto na saúde de muitos pacientes seria catastrófico. Por outro lado, esta suspensão teria efeito só nestes dois medicamentos ou seria extensiva ao resto do grupo, com mecanismo de acção similar?.
Curiosamente existe uma outra categoria dentro dos AINEs com efeitos nocivos muito mais evidentes no sistema cardiovascular que nem sequer foram mencionados, trata-se dos antagonistas da COX-2, que na denuncia da AADIC foram totalmente ignorados.

Este grupo de medicamentos, entre as que se encontra o Celecoxib, Etoricoxib, Arcoxia, etc, foram desenvolvidos para evitar os transtornos gastrointestinais dos AINEs, porem, existem muitos estudos que confirmam seu potencial letal principalmente em pacientes com distúrbios cardiovasculares.

Felizmente, depois de uma análise coerente, a resposta do Ministério da Saúde vem em concordância com as normas internacionalmente aceites para a utilização dos AINEs. Visto que na maioria dos pacientes, os benefícios superam amplamente os riscos da sua utilização, os medicamentos podem continuar a ser utilizados, embora respeitando alguns princípios.

Em pacientes cardiopatas conhecidos sempre devem ser utilizados com precaução, se for possível uma outra alternativa de tratamento, então prescindir dos AINES.

Em geral ter em conta os seguintes aspectos:
– O Diclofenac nunca deve ultrapassar os 150mg por dia, de preferência ter os 100mg diários como máximo da dosagem.
– Sempre que possível limitar o tempo máximo de utilização em 7 dias
– Nunca utilizar dois tipos de AINEs ao mesmo tempo, não melhora a acção anti-inflamatório/analgésico e sim multiplica os efeitos colaterais perniciosos.
– Pacientes idosos devem ter especial atenção, principalmente porque podem apresentar hemorragia intestinal oculto.
– Utilizar uma abordagem da dor utilizando os AINEs em doses baixas junto com analgésicos não anti-inflamatórios (Paracetamol, Codeína, Dextropropoxifeno, Tramadol, etc)

 

Bibliografia
– Circular nº 12 /GD-DNME/MINSA/2017. Relativa ao uso de anti-inflamatórios não esteróides (AINEs)
http://www.bmj.com/content/354/bmj.i4857
www.portalangop.co.ao
https://en.wikipedia.org/wiki/Nonsteroidal_anti-inflammatory_drug- “FDA Strengthens Warning of Heart Attack and Stroke Risk for Non-Steroidal Anti-Inflammatory Drugs”.
– Page J, Henry D (March 2000). “Consumption of NSAIDs and the development of congestive heart failure in elderly patients: an underrecognized public health problem” (Free full text). Archives of Internal Medicine. 160 (6): 777–84.

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