Um dos temas mais debatidos na medicina contemporânea é a eutanásia. O direito que deveríamos ter a por termo a nossa vida, quando o sofrimento ultrapassa a satisfação de viver.
Ainda estudante de medicina, tive como paciente um homem com neoplasia terminal do fígado. Tinha mais de 80kg de peso quando internou, perdeu quase a metade do peso em menos de um mês. Ficou com o abdómen brutalmente dilatado e o corpo magro quase esquelético. Ele recebia enormes quantidades de morfina por causa da dor. Chegou uma altura em que já era impossível aumentar a dose, estava no limite da toxicidade. Mesmo a quando aparentemente dormia era visível que a dor estava lá, implacável, irredutível.
Afectado pela situação, perguntei um dia ao meu professor se era possível parar com esse sofrimento tudo. Melhor não comentar a resposta que recebi. Finalmente e como era previsível, o paciente faleceu. Nos olhos da esposa, uma senhora estoicamente presente, me pareceu ver um sinal de alívio. Talvez em algum momento desta historia ela pensou igual a mim, talvez eu tenha interpretado mal seu olhar…talvez.
Em Maio deste ano, um cientifico australiano, de 104 anos deslocou-se à Suíça para por termo a sua vida. David Goodall, botânico e ecologista, não sofria qualquer doença terminal. Simplesmente no dia do seu aniversário declarou que já não era feliz, que estava cansado de viver. Como na Austrália a eutanásia é crime, foi para à Suíça acompanhado e deu fim aos seus dias.
Embora o tema da eutanásia deixou de ser tabu, o assunto ainda é controverso na maioria dos países. Principalmente onde os princípios religiosos tem forte aderência dentro da sociedade.
A lei em alguns países defende o direito a rejeitar a transfusão de sangue nos testemunhos de Jeová. Ironicamente o mesmo sistema condena a eutanásia e penaliza a quem colabore com ela. Negar sangue a quem precisa é uma forma de eutanásia. Pode até ser uma eutanásia religiosamente aceite, uma eutanásia sem pecado, mas o resultado certamente é o mesmo.
O avanço da medicina, embora considerável, ainda não oferece a imortalidade. Nem sequer garante uma vida digna ate o final dos nossos dias. Quando consideramos que ela deixo de ter valores e a dignidade aceitáveis, merecemos poder escolher o nosso final. Não interessa a opinião dos outros, o que importa é a nossa vontade.
Preservar a vida de outrem deve ter limite. O limite é o direito de cada um a fazer com sua vida o que bem entender, sempre e quando estas acções não interfiram com o direito dos outros.
Actualizado em 09/Janeiro/2019
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