Em 1993, uma menina de 13 anos, que sofria de Anemia Falciforme, morreu durante uma crise vaso-conclusiva. Trata-se de uma oclusão nos vasos sanguíneos que cursa com anemia grave. Para reverter esta situação, em pacientes drepanocíticos, é necessário transfundir sangue fresco de doadores saudáveis. Este procedimento frequentemente define a sobrevivência do paciente.
Os pais da menina, um militar aposentado e uma dona de casa, não autorizaram a transfusão de sangue por serem Testemunhas de Jeová. A mãe chegou ao extremo de dizer que preferia ter a filha morta, a vê-la com sangue de outra pessoa. A criança morreu e o hospital iniciou um processo de crime contra os pais. Finalmente um veredicto da 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ,) de São Paulo no Brasil, os isentou de culpa pela morte da filha.
Segundo o tribunal, a transfusão de sangue deveria ter sido feita pelos médicos. mesmo contra a vontade da família. Os pais não serão condenados por homicídio, caso os filhos morram por não fazer o procedimento. Para o STJ, a responsabilidade foi dos médicos que fizeram a vontade da família.
Os médicos desrespeitaram o Código de Ética Médica porque no caso das crianças em risco de morte a transfusão sanguínea deve ser feita mesmo sem o consentimento dos pais ou responsáveis. Basta que pelo menos dois médicos documentem por escrito a necessidade do acto. Em casos não tão dramáticos o uso do sangue depende da criança e dos seus responsáveis legais.
A congregação de Testemunhas de Jeová foi fundada em 1872. A organização religiosa tem mais 8 milhões de adeptos em 239 países, segundo consta no seu site oficial. A proibição de receber transfusão de sangue foi estabelecida em 1945, transcorridos 73 anos desde a sua fundação. Se um membro baptizado na fé aceitar uma transfusão sanguínea, esta a indicar pelo seu acto, que não deseja mais Testemunho de Jeová.
A Sociedade Europeia de Medicina e Cuidados Intensivos fez um inquérito em 242 médicos. O 63% dos médicos inquiridos reconheceram que transfundiriam um paciente Testemunha de Jeová, caso ele estiver inconsciente e com risco de morte. É bom advertir que o paciente deve estar inconsciente. Legalmente a administração de sangue e seus derivados, num adulto consciente sem seu consentimento, pode ser considerado um acto criminoso.
Durante as cirurgias a forma mais simples de evitar transfusões é limitar a perda de sangue. Quem faz cirurgia sabe que nem sempre isto é possível. Por exemplo, a Aprotinina, um inibidor das serinoproteases séricas, tem propriedades antifibrinolíticas. Esta aprovada como droga conservante do sangue. Também são utilizados os “Cell Savers “ na recuperação do sangue extravasado, embora em casos de infecção, o sistema tem uma utilidade limitada. Existem substitutos sanguíneos artificiais que tem demonstrado alguma utilidade para evitar transfusões.
O interessante em todas estas técnicas é que são caras e não estão disponíveis na maioria dos nossos hospitais. Os médicos devem ser muito cuidadosos se vão operar algum Testemunho de Jeová. Se for uma cirurgia electiva, esclarecer ao paciente em que condição será feita. Caso a cirurgia comporte perda importante de sangue então é melhor não fazê-la. Cabe ao paciente assumir a responsabilidade derivadas da sua crença religiosa.
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