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Eutanásia: Um dano colateral da medicina moderna?

Em 1990 faleceu meu pai. Um mês antes eu tinha regressado acasa após trabalhar como médico fora do país. Meu pai faleceu na tarde de umdomingo qualquer, na casa de banho, a fazer a mesma rotina de sempre. Certo quejá tinha apresentado alguns problemas de saúde, era hipertenso, mas cumpria coma medicação recomendada. Tudo parecia esta sob controlo ate esse dia. Entrou atomar banho e a minha mãe encontrou-o dentro da banheira em posição fetal. Euestava deitado no quarto contiguo. Só uma parede de tijolos estava entre nosdois. Entretanto não ouvi nada que indicasse que meu pai tinha morrido.

Ultimamente tenho pensado muito acerca da morte. No início ficava bastante abalado. Depois soube que é algo frequente quando se ultrapassam os 50 anos. Parece que cruzamos uma linha no tempo a partir da qual estamos cientes do início do fim. Gostaria morrer do mesmo jeito que morreu meu pai. Sem aviso prévio, sem incomodar a família, a tomar um banho.

Meu pai manteve sua independência até o fim. Sou teve uma única dor, a da isquemia final no miocárdio. Enfartou quando se preparava para ir a ver os meus irmãos.

Não há qualquer garantia de que possa partir do jeito quemeu pai partiu. Os avanços da medicina conseguiram que vivêssemos mais queoutrora. De facto a longevidade passou a ser um problema social e económico emmuitos países. O que os médicos não conseguem, por enquanto, é manter-nos saudáveisaté o fim.

Séculos atrás este dilema não existia. A gente morria relativamente cedo, poucos sobreviviam um AVC ou a um enfarte, por exemplo. Hoje é possível “viver” durante muito tempo, ligado a o ventilador numa UTI qualquer. É possível “viver” sendo alimentados por um tubo através do pescoço, quase sem dor “através” da morfina. Alguém com a idade dos nossos filhos nos vá limpar o rabo e colocar nova fralda. A isto lhe chamam carinhosamente “cuidados paliativos”.

A vida é o bem mais prezado. Practicamente todas as constituiçõesconsagram o direito a vida como algo supremo. A fazer tudo o possível paragarantir esse direito obriga o juramento dos médicos. O problema é que na leinão faz referência a qualidade dessa vida. A saúde é a base de qualquer valoraçãoda vida. Segundo a OMS saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental esocial, e não apenas a ausência de doenças.

Em Abril de 2002 a Holanda legalizou a Eutanásia. Eutanásia é o acto intencional de proporcionar a alguém uma morte indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou dolorosa. Na legislação holandesa a “Lei sobre a Cessação da Vida a Pedido e o Suicídio Assistido ” isenta de crime ao médico que ajude ao suicídio, desde que cumpra certas exigências legais. São elas o pedido expresso, reiterado e convicto do paciente com uma doença incurável em estado terminal. Se tem sofrimento insuportável sem qualquer possibilidade de melhoria. Quem a solicitar deve estar consciente e lúcido. O processo também obriga à confirmação da doença incurável por pelo menos dois médicos.

A Holanda sou legalizou o que já acontecia rotineiramente. Enão foi o primeiro país a fazê-lo. Em 1997 o estado de Oregon, nos EUA,autorizou a morte assistida. Foi resultado de um referendo, em que 51% doseleitores, votaram a favor da “Lei da Morte com Dignidade”. A Suíça,a Bélgica, o Luxemburgo e o Canada também legalizaram a eutanásia. A Lei sobroa eutanásia esta a ser discutida na Espanha e Portugal.

Em 2005 um médico brasileiro foi levado ao tribunal por transfundir sangue a uma criança, filha de Testemunhos de Jeová. O médico honrou o juramento feito. Salvo a vida da criança. Mas violou, segundo a lei, a liberdade religiosa dos progenitores da criança. Foi processado por não fazer eutanásia “passiva”. Não foi condenado, mas foi avisado.

Se provoca a morte num paciente quando se desligam do ventilador com o consentimento da família. Quando se diminuem progressivamente os medicamentos de suporte. Quando o paciente num em estado terminal e irreversível não tem mais cobertura pelo seguro. A eutanásia passiva não esta autorizada, mas aplica-se.

O direito a vida não esta vinculado ao dever de viver. A opção de querer viver ou não, deve ser garantida constitucionalmente a cada individuo. É nisto que descansa a maioria das propostas para a legalização da eutanásia. Se trata do direito de cada um a fazer com a sua vida o que bem entender, desde que não colida com a vontade de viver dos outros. Isso não deve ser cogitado por preceitos religiosos, por interesses políticos, nem pela vontade familiar.

Tal como se respeita a vontade de viver, deve ser respeitada a vontade expressa de finalizar os dias na terra. Trata-se de coerência, de justiça, da essência de um estado de direito.

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