Em pouco menos de 15 dias consultei dois pacientes, adultos, que progressivamente estavam a perder força muscular, sentiam-se muito fracos e dor em várias articulações. Sem febre, sem tosse (not Covid) Já tinham feito tratamento para Malaria base ao famoso “1 x campo”, um outro médico suspeitou ser “alguma virose”…etc. Ambos partilhavam um antecedente clinico. Ambos foram victimas do terrível surto de pólio de finais dos anos 90.
Nos primeiros 6 meses de 1999, mais de 1000 crianças angolanas foram internadas diagnostico de Paralisia Flácida Aguda (PFA), a suspeita era de que fosse um surto de Poliomielite. O 23 de Março desse ano, só o Hospital Pediátrico de Luanda reportou 23 casos de crianças PFA, 3 das quais faleceram. Outras 5 províncias também reportavam crianças os mesmos sinais e sintomas. PFA é o termo utilizado para catalogar os pacientes paralisia flácida aguda enquanto se aguarda pelo diagnóstico definitivo a partir dos exames complementares. No caso da Poliomielite este é feito a partir do estudo das fezes do paciente, onde procura-se uma das variedades de poliovírus circulante.
Todas as amostras de fezes da crianças suspeitas foram enviadas para um laboratório na Africa do Sul, reconhecido pela OMS. O poliovírus salvagem tipo 3 foi identificado em quase o 80% das amostras, no resto foi identificado o tipo 2. Durante este surto,113 crianças perderam a vida. Isto significou um índice de mortalidade de um 10.3 %, que superou amplamente os 4.4 % de mortalidade no resto do mundo. Evidentemente foi um dos piores surtos da doença em Africa, se não o pior.
Com ajuda da OMS, e o fim do conflicto armado que facilitou um programa de vacinação alargado a todos as zonas do país, Angola nunca mais sofreu um surto destes. De facto a Poliomielite foi declarada fora de Angola em 2020.
O Síndrome Pós-Pólio (SPP) é um distúrbio que acomete a indivíduos que sofreram poliomielite durante a infância. O SPP foi inicialmente descrito em 1875 por Jean Marie Charcot, embora só a princípios do século passado é que ganhou especial atenção. A volta da terceira ou quarta década de vida desenvolvem, de forma espontânea, sinais e sintomas muito parecido os da doença inicial. As principais características desta nova apresentação são a fraqueza, a perda de força muscular, dor nas articulações e alguma frequência dificuldade para deglutir alimentos ou respirar.
A incidência e prevalência mundial do SPP é desconhecida. Também não existe qualquer exame ou test específico. A confirmação é por exclusão de outros diagnósticos diferencias em pacientes sequelas de poliomielite. Isto pode ser um repto para muitos médicos, e um risco para os doentes.
Na caracterização deste síndrome é necessário identificar os seguintes aspectos:
– Historia confirmada de poliomielite anterior na infância ou na adolescência.
– Recuperação parcial da função motora e estabilidade durante pelo menos 15 anos
– Atrofia muscular residual, fraqueza e arreflexia em pelo menos um membro, preservando a sensibilidade e o controlo de esfíncteres.
– Desenvolvimento de novos sintomas neuromusculares
Em geral pacientes que já tinham estabilizado a função motora em concordância as sequelas deixadas pela pólio, tem uma queda progressiva do seu rendimento. O processo pode ser lento mais é perceptível pelo paciente. Não é raro que tenha inicio apos algum procedimento cirúrgico ou alguma imobilização.
O problema não é provocado pela reactivação do vírus. Parece ser que há um desgaste dos neurónios sobreviventes à infecção viral inicial, que assumiram a função dos neurónios desvitalizados. A utilização excessiva e a sobrecarga destes neurónios motores, próximos daqueles que foram destruídos pelo poliovírus causa uma perda progressiva da sua capacidade funcional e desintegração dos terminais axonais.
Tal como a bateria de um telemóvel a energia destes neurónios esgota-se os anos, há uma redução na velocidade de conducção dos impulsos nervosos e aparecem câmbios degenerativos.
Não existe tratamento específico para o SPP. Recomenda-se uma abordagem multidisciplinar que inclui:
– Exercícios aeróbicos leves,
– Alongamentos,
– Exercícios de resistência pouca carga,
– Orientação nutricional, uso de suplementos vitamínicos.
– Uso de órteses (bengalas, muletas, andadores, coletes, por exemplo), caso for necessário por causa da fraqueza muscular.
Bibliografia
– Gaspar M, Morais A, Brumana L, Stella A. Outbreak of Poliomyelitis in Angola. Concise Communication. The Journal of Infectius Diseases. 2000. 181:177-9.
– Souza A, Maynard F. Síndrome Pós-Poliomielite: Aspectos Neurológicos. Revista Neurociencia.2002.10(1):31-34
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