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Doentes ortopédicos no contexto da Covid 19 em Angola

A chegada e permanência da Covid-19 agravou a situação dos pacientes com problemas músculo-esqueléticos em Angola. Mesmo antes da actual epidemia já era preocupante o atendimento destes pacientes. Num artigo publicado em 2019  alertava acerca da situação dos doentes com sequelas no aparelho locomotor. Quer víctimas de acidentes de viação, quer os que nascem com alguma deficiência física ou discapacidade não traumática estão agora num círculo pernicioso que protela a solução dos seus problemas. O crescente número de acidentes, sejam de viação, de trabalho ou na casa, ultrapassam a capacidade de atendimento dos serviços ortopédicos nos hospitais públicos. 

A massividade dos acidentados obriga a dedicar  o maior tempo cirúrgico ao trauma. Isto tem dois efeitos nefastos. Primeiro deixa em “stand by” aos que têm distúrbios não traumáticos, e segundo, paradoxalmente, colapsa a capacidade de resposta cirúrgica para eles próprios. Uma vez que os serviços não podem resolver tudo o que aparece em tempo útil, progressivamente vai ficando um remanescente de doentes sem tratar. Os problemas destes pacientes passam, de uma lesão aguda a resolver, para uma  sequela de trauma com solução complexa.  E assim as listas de espera de consultas, de cirurgias, de reabilitação vão aumentando exponencialmente.

Victima de accidente de viação
Víctima de accidente com fractura do fémur| Caso não for tratado na urgência pode ficar com graves sequelas.

A Covid 19 veio a agravar, e de que maneira, a situação. O que fazer, por exemplo, como o paciente politraumatizado que testa positivo? Com certeza que não será operado imediatamente. Por outro lado, temos a diminuição da força de trabalho. Muitos internos da especialidade, ortopedia e anestesia, estão ao serviço dos pacientes com Covid. O mesmo acontece com as UCIs, para onde correntemente vão alguns dos pacientes operados. Não esquecer os profissionais da saúde infectados pelo vírus. 

O estado tem disponibilizado enormes recursos para enfrentar a pandemia. Mas os recursos são finitos, então alguns serviços de saúde ficam afectados, e os de Ortopedia,  mesmo em situação normal, não eram famosos. Significa que as ofertas para quem tem uma sequela músculo-esquelética, agora estão mais reduzidas. Se não houver mudanças, vamos ter  toda uma geração de descapacitados nas próximas décadas.

Para evitar o desastre o mais racional é ir implementando acções eficazes mas sobretudo sustentáveis. Seria interessante criar um centro, um instituto, um hospital ou uma clínica, para o atendimento exclusivo dos pacientes com sequelas no aparelho locomotor. Repare que o aparelho locomotor também iria incluir as sequelas neurológicas, reumáticas e outras. Isto facilitaria a gestão mais eficiente de recursos humanos e materiais. A gestão das listas de doentes que aguardam por uma solução seria também mais eficiente e justa.

A experiência adquirida beneficia ao paciente, ao profissional e à própria instituição. Profissionais treinados podem ser pioneiros deste tipo de atendimento em outras províncias. Seria ótimo contar com um centro regional , com profissionais formados numa mesma filosofia e que partilham  métodos de tratamento similares. Centros deste tipo existem em todo o mundo e tem resolvido os problemas de muitos doentes, que talvez, sem eles,  teriam que alastrar de por vida alguma discapacidade física.

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